Como a pandemia mudou o modo de experienciar arte em espaços públicos?

O acesso à arte pública é um privilégio o qual, os nova-iorquinos mal param para pensar sobre. Espalhada pelos quatros cantos da cidade, a arte pública é parte integral do cityscape da cidade de Nova Iorque, ocupando parques, praças, becos e terraços abertos a centenas de metros acima do chão. Enquanto as instalações de arte pública mais famosas e celebradas encontram-se já enraizadas na textura urbana da cidade, como a Love de Robert Indiana na Sexta Avenida ou a Gay Liberation de George Segal junto ao Monumento Nacional de Stonewall, não podemos esquecer aquelas “obras de arte” que assumem um caráter mais efêmero. Independente disso, instalações de arte pública tem o poder de despertar as mais diversas reações, com um histórico de interpretações polarizadas que em determinados casos, acabaram até em processos judiciais e ações públicas.

Seguindo as restrições de circulação e acesso às instituições públicas em tempos de COVID-19, o acesso à arte—não diferentemente de tantos outros setores—está atravessando um período de muitas incertezas, forçando as instituições museais a se voltem com uma nova energia para o lado de fora, para o espaço público. Quando questionada sobre a mudança do papel da arte pública em meio à pandemia, Sandra Bloodworth, diretora da MTA Arts & Design, retoricamente respondeu: “Quanto tempo você tem?” e disse: “Desde que demos início ao primeiro programa de arte dentro de um sistema de transporte público em 1985, estivemos sempre trabalhando com condições desafiadoras, em ambientes que a arte tem a responsabilidade de tentar transformar para melhor.”

O projeto mais recente realizado pela MTA Arts & Design é uma instalação de arte pública na Grande Estação Central de Nova Iorque, concebida pelo artista consagrado Jim Hodges e intitulada de I dreamed a world and called it Love. Assumindo a forma de um enorme mosaico de vidro suspenso, a instalação está composta por 5.000 peças de vidro em 70 tons diferentes. Para Bloodworth, a instalação concebida por Hodges é “uma chama de esperança”, um espaço que transporta os passageiros para dentro de um mar profundo e colorido enquanto estes se deslocam pela estação. Contando hoje com mais de 350 obras de arte em exibição em todo o sistema público de transporte de Nova Iorque (bem como nas linhas norte do metrô e junto a rodovia para Long Island), a MTA Arts & Design defende a sua iniciativa como o maior o museu subterrâneo da cidade.

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Elmgreen & Dragset. The Hive, 2020. Stainless steel, aluminum, polycarbonate, LED lights, and lacquer. Commissioned by Empire State Development in partnership with Public Art Fund for Moynihan Train Hall. Image © Nicholas Knight, courtesy Empire State Development and Public Art Fund, NY

Sejam estruturas centenárias ou recém inauguradas, as estações de trem e metrô de Nova Iorque nos proporcionam uma oportunidade única para promover e celebrar a arte pública, e consequentemente, transformar os espaços de nossa cidade. Neste contexto, outra obra que mudou a cara de uma importante infraestrutura do sistema público de transporte da maior cidade dos Estados Unidos foi a recente inauguração da nova cobertura concebida pelo SOM para o novo Moynihan Train Hall, desenvolvida com o apoio do Public Art Fund. A série de cúpulas de aço e vidro propostas pelos arquitetos do SOM convida os passageiros a olhar para cima, celebrando a elegância das formas originais da cobertura do antigo edifício dos correios.

Outra recente instalação de arte, digna de nota, é a The Hive, concebida pelos artistas escandinavos Elmgreen & Dragset. Composta por uma série de arranha-céus em miniatura, a instalação representa a imagem invertida de uma super-metrópole—uma mistura de arquiteturas ficcionais e edifícios mundialmente conhecidos. Segundo a dupla de artistas, a intenção com a obra é chamar a atenção para o fato de que o nosso “mundo virou literalmente de cabeça para baixo”. Velhos conhecidos dos nova-iorquinos, como o Empire State Building, assumem aqui um outro papel. A obra, embora tenha sido concebida ainda antes do início da pandemia, demorou mais de um ano para ser finalizada.

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Conceptual artist Jill Magid disseminating Tender penny rolls. Image © Leandro Justen, courtesy of Creative Time

Contrastando enormemente com a especificidade local dos dois projetos mencionados acima, a artista conceitual Jill Magid se aproxima da arte pública com uma abordagem um tanto diferente. Em seu projeto chamado de Tender, ela procura destacar a natureza volátil da economia. A artista decidiu distribuir 120.000 centavos cunhados com a fatídica data de 2020, o valor exato do primeiro pacote de auxílio aprovado pelo governo dos Estados Unidos no ano passado. As moedas cunhadas por Magid, no entanto, não são as mesmas que costumamos usar cotidianamente, elas vem inscritas com a sugestiva frase: “o corpo já era tão frágil”. A potência deste trabalho, depende obviamente de uma ativação silenciosa, a qual resulta de sua circulação ao passar de mãos em mãos de pessoa para pessoa. Para fazer suas moedas circularem, artista tem frequentado as muitas bodegas da cidade de Nova Iorque—as quais permaneceram abertas ate mesmo durante as mais rígidas quarentenas.

A natureza antimicrobiana do cobre torna o centavo uma maneira segura para fazer a arte circular, que, de acordo com a diretora executiva do projeto, Justine Ludwig, “é capaz de adicionar uma sensação sublime de admiração do ritmo cotidiano da vida de uma pessoa.” Os desdobramentos deste projeto ultrapassam qualquer categorização ou fronteira que se queira estabelecer sobre uma obra de arte pública tradicional, principalmente devido à sua natureza transitória e profundamente enraizada na vida cotidiana.

Reconhecendo a importância deste momento de incertezas para mundo da arte, Nicholas Baume, diretor e curador-chefe do Public Art Fund, diz: “Um dos principais motivos pelos quais a arte pública é tão importante para todos nós neste momento, é a sua capacidade de renovar o nosso sentido de pertencimento e comunidade: ela nos faz lembrar que todos nós devemos assumir uma responsabilidade, que a arte deve ser acessível e que devemos valorizar os nossos espaços públicos como locais de expressão criativa e onde nossos valores democráticos devem ser celebrados todos os dias.”

Este artigo foi publicado originalmente na Metropolismag.com.

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Sobre este autor
Cita: Can Yerebakan, Osman . "Como a pandemia mudou o modo de experienciar arte em espaços públicos?" [Has the Pandemic Changed the Experience of Encountering Art in Public?] 12 Fev 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/956712/como-a-pandemia-mudou-o-modo-de-experienciar-arte-em-espacos-publicos> ISSN 0719-8906

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